Criar cães de raça não é apenas um hobby ou um desejo de ver sua cadela gerar filhotes. Envolve um compromisso profundo com a saúde e o bem-estar dos cães, além de conhecimentos técnicos em áreas como genética, biologia e cuidados veterinários. Quero explorar com você a complexidade desse processo, destacando os riscos e as responsabilidades envolvidas.
1. Os Riscos e as Dificuldades de uma Gestação Canina
A gestação em cães é um período delicado, repleto de desafios que podem colocar em risco a saúde da fêmea e dos filhotes. Complicações como eclâmpsia, infecções uterinas e dificuldades no parto são comuns, especialmente em cadelas de pequeno porte ou com características morfológicas específicas, como o focinho achatado.
Além disso, a presença de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) — como o tumor venéreo transmissível (TVT) — pode comprometer a saúde da fêmea e inviabilizar a gestação. Doenças genéticas assintomáticas, como as síndromes ligadas a genes recessivos, também representam um risco significativo, podendo causar deformidades ou doenças graves nos filhotes.
Um exemplo clássico é o gene merle, que, quando presente em ambos os progenitores (cruzamento merle x merle), aumenta drasticamente as chances de surdez, cegueira e outras anomalias nos filhotes. Isso evidencia a importância de conhecer a fundo a genética dos animais envolvidos.
2. Cuidados Antes e Durante a Gestação
Os cuidados com a reprodução de cães de raça começam muito antes do cruzamento. Confira algumas das etapas essenciais:
- Exames Genéticos:
Ambos os pais devem passar por testes genéticos (internacionais) para identificar mutações ou predisposições a doenças. Além disso, é crucial realizar uma análise da compatibilidade genética entre o macho e a fêmea. - Exames Clínicos e Morfológicos:
Avaliações de saúde geral e exames de imagem, como radiologias e ultrassonografias, são indispensáveis para garantir que os reprodutores estão aptos a gerar uma ninhada saudável. - Análise de Pedigree e Inbreeding:
O pedigree ajuda a verificar a linha genealógica dos cães, enquanto a análise de coeficiente de consanguinidade (inbreeding) avalia o risco de doenças genéticas em decorrência do cruzamento de cães com certo “grau de parentesco” ou variabilidade genética. - Suplementação Nutricional:
A fêmea deve receber alimentação adequada e suplementação específica para suportar as demandas nutricionais da gestação.
Durante o parto e o puerpério, o espaço e os equipamentos adequados são fundamentais. Além disso, um veterinário deve estar de prontidão para lidar com eventuais complicações, como a necessidade de cesárea, ultrassonografias de emergência e suporte aos filhotes prematuros ou debilitados.
3. Custos Envolvidos
Reproduzir cães de raça é um investimento elevado. Os custos incluem exames clínicos e genéticos, suplementação (para a mãe e para os filhotes), acompanhamento veterinário, além de infraestrutura para o parto (equipamentos e espaço adequado) e o desenvolvimento dos filhotes.
Complicações podem aumentar ainda mais as despesas. Cirurgias de emergência, internações, cuidados intensivos para filhotes com deformidades e plantão veterinário 24h são apenas alguns exemplos. E isso pode acontecer em vários cenários:
- ultrassonografia, hemogramas, exames de progesterona e citologia, antes do cruzamento (para acompanhar a saúde reprodutiva da fêmea e garantir uma gestação segura);
- ultrassonografia durante a gestação (para acompanhar a saúde dos filhotes);
- ultrassonografia durante o parto (para acompanhar os filhotes que ainda estão no útero);
- ultrassonografia após o parto (para verificar se não há mais filhotes no útero);
- administração de medicamentos para indução do parto, caso demore muito;
- cesária (caso um filhote fique preso ou a cadela não entre em trabalho de parto);
- cirurgia para retirada dos filhotes (caso o parto não aconteça e eles morram no útero);
- cirurgia de emergência (caso algum filhote morto ou restos de placenta fiquem presos no útero e gerem infecção grave).
4. Acompanhamento dos Filhotes e Responsabilidades com as Famílias
Após o nascimento, o trabalho continua. Os criadores responsáveis precisam:
- Garantir o desenvolvimento saudável dos filhotes até, no mínimo, os 60 dias de vida.
- Selecionar famílias adequadas para cada filhote, com base em entrevistas e orientações.
- Oferecer suporte às famílias, incluindo acompanhamento vitalício, e estar disposto a receber os cães de volta em caso de desistência.
Além disso, caso os filhotes nasçam pequenos demais ou com deformidades, ou caso a mãe os abandone, serão necessários cuidados ininterruptos, de hora em hora, para amamentação, indução de fezes, urina e administração de medicamentos.
Caso a mãe não amamente os filhotes, será necessário fazer a ordenha das mamas, para não ocasionar mastite. Sem contar o constante monitoramento, para a mãe não sentar nos filhotes, não deitar por cima deles nem deixá-los no frio (já que tudo isso pode levar os filhotes a óbito).
Ninguém te prepara para a quantidade de LIMPEZA necessária (especialmente se você não tiver uma infraestrutura adequada)… Troca de cobertinhas, toalhas, tapetinhos, todos os dias (com produtos especiais, para não afetar a saúde dos recém nascidos) e ASSEPSIA (de mãos, roupas, calçados, equipamentos…) Tudo que tem potencial de contaminação precisa de muito cuidado!
E tem mais: problemas de saúde ou comportamentais relacionados à criação podem gerar implicações jurídicas para o criador (mesmo que esse criador não seja “profissional”).
5. A Importância do Conhecimento em Genética e Biologia
Cruzamentos irresponsáveis podem levar ao nascimento de filhotes mortos, com deformidades, com doenças graves ou temperamento inadequado, comprometendo a qualidade de vida deles e das famílias adotantes. Para evitar esses problemas, é essencial que o criador tenha um profundo entendimento de genética, biologia e cuidados veterinários.
Leia também: Se está considerando adquirir um cão de raça, descubra como identificar criadores éticos no artigo PENSANDO EM COMPRAR UM CACHORRO DE RAÇA? 10 dicas pra descobrir se o canil/criador é bom..
Conclusão
A criação de cães de raça exige muito mais do que amor pelos animais. É uma responsabilidade gigantesca que envolve custos elevados, conhecimentos técnicos e um compromisso ético inabalável.
Antes de decidir reproduzir cães, reflita: será que você está preparado para assumir todos esses desafios e responsabilidades? Se não, considere outras formas de ter um filhotinho, como a adoção responsável ou o investimento em um filhote de um bom criador.
Até breve!
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